Eutanásia passiva: uma análise jurídico-social
A eutanásia remete à reflexão sobre questões adormecidas no cerne social e que, destarte, não são suscitadas, eis que carecem de ponderação ampla e dissociada do meio em que se desenvolvem. O tema, atualmente, divide a opinião do mundo quanto a sua concepção como justa ou ilegal e, exatamente por essa característica, promove uma nova visão social sobre a justiça e a licitude de um ato, no cerne das discussões abrangidas.
Pondera-se que o crime, na realidade, não é o errado, mas aquilo que se convenciona por errado numa determinada sociedade; e a punição é o castigo atribuído ao infrator dessa mesma convenção, onde a eutanásia, por sua vez, se posiciona na busca pelo seu enquadramento como um ato delituoso ou, ao contrário, como um direito.
Todavia, enquanto as sociedades buscam, em torno das discussões levantadas, esse senso comum da eutanásia como um crime passível de punição ou não, a realidade prepondera através de casos concretos que fazem as altercações ganharem mais força e o ânimo coletivo se acirrar. As pessoas que estão diretamente envolvidas no assunto padecem diante da espera dessa perspectiva quanto à legalidade de um ato.
Geralmente, quem está envolvido num caso concreto acerca da eutanásia é um consternado que luta por um “direito” que as sociedades, em sua maioria, ainda não consagraram em seu sistema jurídico e que, ademais, o consideram mesmo como violador de outros direitos. A discussão, nesse cerne, se revolve em torno do princípio da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e da vida como direito indisponível.
Nessa perspectiva, pondera-se se deve ser atribuído, em algum momento, a um sujeito de direito, a disposição da sua vida ou se este, como se tem convencionado juridicamente, não pode jamais optar pela própria morte. E enquanto tal discussão não for resolvida, qualquer ato contrário à manutenção da vida, será considerado um crime e, portanto, passível de punição.
Da mesma forma, a solução atribuída por um determinado grupo social, em prol da autonomia da vontade, anula a concepção da eutanásia como crime, eis que, dessa forma, não se poderá punir aquele que acatou uma vontade que, ao mesmo tempo, é salvaguardada pela própria lei.
Ademais, as discussões em torno do tema se tornam mais acirradas, devido ao fato de a eutanásia ser praticada sob a prevalência de sentimentos de compaixão e piedade do sujeito ativo em relação ao sujeito passivo, tendo-se em vista também as reiteradas súplicas, muitas das vezes, desse para aquele, a fim de que lhe seja atribuída a própria morte, uma vez estando impossibilitado de fazê-lo por si mesmo. Tal característica, por certo, distingui visivelmente a eutanásia dos crimes em geral.
Nesse diapasão, as sociedades contemporâneas se dividem ao passo que umas enquadram a eutanásia como um direito e, portanto, não lhe atribuem punição alguma, eis que como direito tal fato seria inadmissível, e outras a enquadram como um crime passível de penalidade, já que violam as suas respectivas legislações. Percebe-se, destarte, que a eutanásia suscita uma discussão em torno do seu enquadramento jurídico-social como um crime ou um direito, e é diante dessa perspectiva que se constitui a presente análise.
Autora: Bárbara Rastelli